A Transcendência da Alma, numa Linguagem de Umbanda

Perde-se no tempo e espaço a verdadeira concepção do conhecimento da humanidade, escrita na linguagem de seus ancestrais mais longínquos, nem tanto África - na concepção de continente- e bem mais América do que se pensa, na lembrança de que um dia ocupávamos o mesmo território. África e América já foram unidos nos tempos dos primeiros habitantes deste mundo.
Assim como as aves continuam a migrar na mesma direção, assim também tem ocorrido com a humanidade...
O homem, assim como todos os elementos da natureza, dentre uma infinidade de níveis de expressão*, somos compostos de três elementos básicos:
  • Corpo [1]
  • Alma
  • Espírito
Entre os yorubá a alma fora do corpo por não ter o seu veículo físico como propriedade, chama-se egum.
O espírito, nossa natureza mais primitiva, porém a real e verdadeira, é o que, entre os yorubá chama-se Orixá. Não poderia reinar senão em nossa cabeça. Orissa quer dizer "dono da cabeça". 
A alma é o veículo que anima este corpo, dando-lhe vida. Proporcionando-lhe vitalidade, alimentando-se da energia que lhe é afim na própria natureza. Busca, quando encarnada - portanto viva - expressar-se de todas as formas, enriquecendo-se com os mais variados elementos seja por meio da alimentação física, a fim de facilitar sua conexão com a matéria, seja por meio das impressões dos sentidos...
O corpo, por sua vez, cumpre o papel de proporcionar a essa alma conhecer a si mesma. Identificar-se como única na matéria, uma vez que ela é uma expressão insubstituível do Espírito de quem emanou.
Portanto, podemos conceber, a fim de ilustrar esse processo, através do seguinte gráfico abaixo:
Expressão do Espírito 
Para o espírito manifestar sua individualidade é necessário que a alma vivencie na matéria "sem ser da matéria", numa linguagem cristã, diríamos viver no mundo sem ser do mundo. Ou seja, é necessário que a alma busque manter plena consciência de sua natureza mais elevada: o Espírito.
Quanto mais afastada do espírito estiver a alma, e, portanto, muito mais ligada ao corpo, à matéria, mais distante de sua realidade, mais inconsciente, mais vulnerável às intempéries da natureza e, portanto, mais "sofredora".
O Espírito conhece nossos gostos e tendências e é o único que pode, conforme as inclinações da alma na vida terrena, transcender a própria natureza.
Quando uma alma transcende a própria natureza, passa expressar-se como ser auto-consciente e passa a atuar "em Espírito", desprovido de "quizilas[2]", pois elevou-se.
O espírito adquire mais discernimento através da evolução da "alma" na matéria. A alma é o veículo-chave de todo processo evolutivo do Ser. É através da alma encarnada que o espírito evolui.
Por isto alguns "santos" são menos exigentes que outros em alguns aspectos, enquanto que mais rígidos em outros. Ele quer que o filho, a alma, desenvolva certas qualidades a fim de obter tal ou qual aprendizado.
Não adianta "fazer o santo" se a alma não está comprometida com a evolução.
Trazer o Espírito para junto da alma na matéria pode ser extremamente compensador, mas isso não pode durar mais que a encarnação da alma na terra para a grande maioria.
Quando a alma se desprende do corpo unir-se-á inevitavelmente àquilo com que tem mais afinidade.
Quem gostava de rezar, continuará rezando, quem gostava de brigar, continuará brigando, quem gostava de fazer a caridade, continuará frequentando casas de caridade, quem vivia reclamando, continuará "alugando" o ouvido de quem está disposto a ouvir lamúrias, etc,...
As egrégoras espirituais são formadas por espíritos afins...
Conta a tradição hindu, e isto tem sido observado na prática, que a alma ao desencarnar, vivencia seu próprio mundo de ilusão[3] até ter a chance de ser chamada a reencarnar em um novo veículo físico. Não é diferente do que estamos expondo aqui.
Fica advertência de que a alma, através das concepções da matéria, adquirida não de si mas de outrem, atrasa o processo evolutivo do Espírito. Em outra linguagem, aprender por outrem aquilo que deveria ser aprendido por si mesmo retarda o aprendizado e a transcendência espiritual. Exemplo disso são os seguidores de livros e filosofias e doutrinas pré-concebidas por seus autores e intérpretes. Quando o dedo aponta para a lua, muitos ficam olhando par ao dedo...
Então na umbanda busca-se dar a chance à alma de vir novamente à terra com o propósito de prestar a caridade e fortalecer sua missão como alma em evolução.
A alma, por meio deste processo, consegue "trocar" informação com seu veículo temporário e permite ao consulente a abertura para uma nova visão das coisas.
Quanto mais unida esta alma estiver do seu Orixá, mais límpida esta se manifestará. Isto também é verdade no que se refere à índole da mesma quando encarnada. No candomblé existe o termo "omo-orixá" que explica muito amplamente esse processo, embora o conhecimento esotérico tenha se perdido para muitos adeptos deste culto.
O Espírito é aquele que nos faz recordar de nossa natureza, nossa forma de manifestação.
Embora o Espírito seja onipresente e possa expressar-se impessoalmente pode adquirir pessoalidade quando a alma está devidamente uníssona com a natureza do Espírito que lhe governa, acrescido de consciência. 
É a consciência que faz a diferença entre um Espírito transcendido e os demais. Isto somente é possível quando a alma preenche os requisitos necessários à união com o seu Espírito e adquire consciência.
Por isso disse o Cristo: eu e o Pai somos Um. A alma unida ao Espírito.
De fato, espiritismo é um termo muito mais amplo que aquele preconizado pela "doutrina espírita", embora esta seja de grande valia no aclaramento e despertar de muitas almas, encarnadas e desencarnadas para um caminho espiritual mais consciente.
Há níveis e níveis de transcendência, há níveis e níveis de conhecimento.
O livro da vida está acessível a todos. Basta olharmos ao redor. Está na própria natureza.
Eis o esclarecimento acerca do espiritismo na linguagem de umbanda.

Dedico este tema ao meu amigo e companheiro "Boiadeiro Menino".

Nota: umbanda aqui é um termo usado não baseado em como o culto é praticado em tal ou qual terreiro, mas em sua essência mais generalizada, como um caminho de "cura" da alma.
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*Há uma infinidade de meios e formas de expressão do espírito.
[1] Corpo aqui refere-se exclusivamente a corpo físico. Na linguagem teosófica sabe-se que   o Ser expressa-se através de seus corpos físico, etérico, astral, mental, causal, búdico e átmico.
[2] quizila é um termo muito mais utilizado no candomblé quando o orixá é averso a certos elementos que devem ficar "fora" do seu culto ou de suas oferendas, afim de lhe facilitar a expressão do seu axé (energia).
[3] segundo os indus vivemos num vale de lágrimas - a roda de Samsara - a roda de encarnações, pois, segundo a concepção yogue devemos transcender tudo aquilo que limite a expressão de nosso ser. 

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