Raízes da Umbanda

Os primeiros cultos praticados pelos escravos em terras brasileiras deram-se em meio a perseguições e sincretismos forçados ou adaptados, conforme as diversas influências ancestrais ou locais e da época.

A primeira forma organizada de culto afrodescendente no Brasil que se tem conhecimento é o Omolocô. Palavra derivada do yorubá que, segundo alguns estudiosos, como Tancredo da Silva Pinto, Tatá Ti Inkice, de Angola, significaria Omo = filho, Oko = roça, ou seja, filhos da roça.

Roça era o local onde se praticava a agricultura. Especialmente a cana-de-açucar e o café, dentre outras. Muitos dos batuques davam-se em meio ao canavial e ao cafezal e nas senzalas, onde os escravos tinham em seus mais velhos profundo respeito.

Daí que surgiu o culto aos Orixás, que foi se sincretizando aos santos da igreja.

A forte influência das mães pretas no estabelecimento do axé no culto aos Orixás. 
Com o tempo, os escravos, que se viam afastados dos mais velhos, por diversos motivos, começaram a invocar estes - já desencarnados - a fim de estabelecer contato com os mesmos e buscar os conhecimentos ora perdidos. Foi aí que os pretos velhos começaram a descer em seus eleguns, dando suas consultas e orientando no restabelecimento da fé, em sincretismo e harmonia com a fé dominante: o catolicismo.

Segundo algumas conversas que tive com um preto velho, esse sincretismo era feito sempre com "algum fundamento". Dizia ele: leia a história dos santos, filho, e vai ver que tem fundamento com o Orixá de quem ele era filho.

Com o tempo, e dependendo da região, houve a junção com o culto praticado pelos índios e descendentes de índios. Houve-se, então, diversas histórias de encantados e lendas e muito parecidas com as dos negros, porém, com outros nomes e elementos ritualísticos.

É quando surge o candomblé bate-folha.

Espíritos de negros velhos, tarimbados nos trabalhos de
desmanche de feitiços e aconselhamentos

"Ainda hoje existem as denominações de terreiro e roça para os locais em que os cultos afro-brasileiros são realizados. Nesse culto os orixás possuem nomes yorubá (nagô) e seus assentamentos são similares aos do Candomblé.
Há práticas rituais e de culto aos orixásCaboclosPretos-velhos cultivados também na Umbanda.
O Omolokô é apontado por estudiosos e praticantes como um dos principais influenciadores da formação da Umbanda africanizada ao lado do Candomblé de Caboclo, do Cabula e do próprio Candomblé. Teria surgido, segundo Tancredo da Silva Pinto entre o povo africano Lunda-Quiôco.
Possui ritualística própria e seu representante mais expressivo é o tatá Tancredo da Silva Pinto, já falecido, estafeta dos correios, morador do Morro de São Carlos, que foi um grande estudioso, colunista e escritor. Porém, há relatos da existência de uma escrava, Maria Batayo,3 e a filha de escravos, Léa Maria Fonseca da Costa, que preservaram o Omolokô dissociado da Umbanda conforme é abordado na obra de Ornato José da Silva.
A diáspora dos orixás cultuados no Omolokô é a mesma utilizada pelo Candomblé e sua organização dogmática o faz diferir também por isso da Umbanda que os cultua em número menor e de forma majoritariamente sincrética.
Há quem defina erroneamente o Omolokô como uma mistura de Umbanda e Candomblé.
Pesquisas mais recentes aludem o termo Omolokô ao povo Loko, que era governado pelo rei Farma, no sertão de Serra Leoa. Ele teria sido o rei mais poderoso entre todos os manes. Sua cidade chamava-se Lokoja e se localizava à margem do Rio Mitombo, afluente do rio Benue, que por sua vez, é afluente do grande rio Níger.
Lokoja ficava próxima do reino Yorubá. O povo Loko também era conhecido pelos nomes de Lagos, Lândogo e Sosso. O nome Loko foi primeiramente registrado em 1606. Também há registro desse povo com o nome de Loguro. Os Lokos viveram até 1917 a oriente dos Temnis de Scarcies. De acordo com pesquisas realizadas, a tribo Loko estava divida em outras menores ao longo dos rios Mitombo, Bênue e Níger e no litoral de Serra Leoa. Em 1664, o filho do rei Farma foi batizado com o nome de D. Felipe. Evidentemente torna-se claro que o principio da sincretização afro-católica já acontecia na África antes da vinda dos africanos ao Brasil. Acredita-se que a tribo Loko pertencia a um grupo maior chamado Mane e que alguns de seus integrantes vieram escravizados para o Brasil e formaram o Omolokô.
Os povos Mane tinham por costume usar flechas envenenadas e arcos curtos, espadas curtas e largas, azagaias, dardos e facas que traziam amarrados embaixo do braço. Para combater o veneno de suas flechas, em caso de acidente, usavam uma bolsinha com um antídoto. Avisavam os seu inimigos o dia em que iriam atacá-los através de palhas - tantas palhas, tantos dias para o ataque. Traziam no braço e nas pernas manilhos de ouro e prata. Também eram ligados aos brancos que invadiram a África Negra. Adoravam assentamentos de deuses e ídolos de madeira, os quais representavam homem e animais.
Quando não venciam as guerras, açoitavam os ídolos. Se as batalhas eram vencidas, ofereciam aos deuses comidas e bebidas. Chamavam as mulheres de cabondos e tinham como marca a ausência de dois dentes da frente.
O Omolokô instaurou-se no Rio de Janeiro, segundo estudiosos, no século XIX, a partir do conhecimento trazido por negros vindos da África e seus descendentes. A herança do período colonial que sofreu influência de diversas vertentes religiosas da África, predominantemente o culto aos orixás e aos inkices, tornou peculiar a sua forma de culto, mantendo a cosmologia de cada origem, acrescida de rituais religiosos contemporâneos.
No Rio de Janeiro, a partir da miscigenação e influência do Espiritismo francês, instaurou-se um novo movimento denominado Omolokô, disseminado prioritariamente por Tancredo da Silva Pinto. Mantém-se como um exemplo deste seguimento a casa-de-santo Okobalaye, fundada na cidade de São Gonçalo, e o Centro Espírita São Benedito, sediado à rua Vereador Maurício de Souza, 97, Engenhoca, Niterói, RJ, chefiada por Pai Matuazambi, de origem nagô."
Fontes: 
  • SILVA, Alberto da Costa e (1994); O Brasil, a África e o Atlântico no século XIX; Estudos avançados.
  • SILVA, Ornato José da. Culto Omolokô, os filhos de terreiro. Rio de Janeiro: Ed. Rabaço.
 A roça-de-santo é uma distinção utilizada, inclusive, pelos Omolocôs para denominar o local onde se concentram as comemorações e rituais aos Orixás. O termo é uma referência ao período colonial em que os escravos cultuavam aos Orixás às escondidas nas roças e fazendas dos senhores de engenho.
A roça-de-santo possui distintos locais que concentram axé, onde juntos, emanam energia que têm como função: proteger, encantar, equilibrar e acentuar a fé dos omorixás da roça e pousar os visitantes.
Roça de Bate folha

Muitos estudiosos apontam o Omolocô como a forma original de se cultuar os Orixás.
Paralelamente e em decorrência da diversidade cultural de que falamos surgiram diversos cultos, alguns muito diferenciados em sua forma, mas igualmente alusivos e marcadamente aos Orixás, ancestrais e encantados.
São eles:

Em se tratando de Umbanda, observamos algumas vertentes que levam o mesmo nome "umbanda", tendo cada qual, entretanto, origem diversa.
Vejamos algumas:
  • Umbanda Tradicional, chamada assim a umbanda oriunda do Omolocô, com seus pontos riscados, bebidas, charutos e até oferendas e rituais de confirmação. Cultua os Orixás em sua forma de encantados. Junta diversas origens verificadamente nas histórias de seus guias: África, Europa, América, Ásia, mas com forte influência ritualística afro-indígena;
  • Umbanda Branca: nascida do Kardecismo e criada pelo caboclo Sete Encruzilhadas em na cidade de São Gonçalo, onde deu-se a oportunidade aos espíritos antepassados dos consulentes poderem dar suas consultas e atenderem por caridade. Tem sete linhas e, embora utilize nomes sincretizados dos Orixás, são caboclos que na verdade "descem" em suas sessões para trabalhar dentro da linha na qual este vibra.
  • Umbanda Esotérica: surgiu no Rio de Janeiro, cujo fundador foi Da Matta e Silva, tendo seu primeiro terreiro na Pavuna, e depois em Itacuruçá, e segue rituais parecidos com a umbanda tradicional, mas não admite matança, cultua os Orixás em sua forma de encantados, assemelhando-se também com a umbanda branca em sua filosofia de "cura" do corpo e do Espírito, acrescida da linha do oriente. Não cultuam os Orixás da forma afrodescendente.
  • Umbanda Cruzada ou Traçada: é a umbanda que cultiva elementos de quinbanda e, eventualmente, Angola.
  • Umbanda Sagrada: é a umbanda fundada por Rubens Saraceni, surgida em São Paulo em 1996. Forte influência européia, embora admita as influências indígenas e africanas. Uma forma diferenciada de se praticar a umbanda, com tendência a decodificação.
Dentro destas linhagens de umbanda, surgiram diversas junções e adaptações ao longo dos anos, podendo-se assim dizer, que não há uma só casa hoje que siga os mesmos preceitos, fundamentos e formas de culto e práticas de outra casa.

Entretanto, podemos generalizar algumas características mais presentes na maioria das casas que se denominam "de umbanda":


  • A existência de uma fonte criadora universal, um Deus supremo, pode receber os nomes Zambi, Olorum ou Oxalá. Algumas das entidades, quando incorporadas, podem nomeá-lo de outra forma, como por exemplo Tupã, para caboclos, entre outros, mas são todos o mesmo Deus.
  • O compromisso com "a manifestação do espírito para a caridade".31 O que significa que a ajuda ao próximo não ser retribuída em dinheiro ou valor de qualquer espécie.
  • Ritual variando pela origem.
  • Vestes, em geral, brancas.
  • O não sacrifício de animais.
  • Altar, Congá ou Peji com imagens católicas, pretos-velhos, caboclos, baianos, marinheiros e boiadeiros.
  • Bases: africanismo, espiritismo, amerindismo, catolicismo.
  • Serviço social constante nos centros.
  • Magia branca.
  • Batiza, consagra e casa.
  • O culto aos orixás como manifestações divinas.
  • A manifestação dos guias para exercer o trabalho espiritual incorporado em seus médiuns ou "aparelhos", também chamados de "cavalos".
  • O mediunismo como forma de contato entre o mundo físico e o espiritual, manifestado de diferentes formas.
  • Uma doutrina, uma regra, uma conduta moral e espiritual que é seguida em cada casa de forma variada e diferenciada, mas que existe para nortear os trabalhos de cada terreiro.
  • A crença na imortalidade da alma.


A crença na reencarnação e nas leis cármicas.Muitos terreiros se baseiam, embora não sigam à risca - pelo fato de existirem outras vertentes de pensamentos e práticas - em uma "Carta Magna de Umbanda" discutida e eleita através do médium Ortiz:
"A umbanda, como religião, tem em seu fundamento como base a crença em um único Deus (monoteísta), porém sua estrutura se estende através do panteão de Divindades denominadas de Orixás, com linhas e sublinhas de espíritos guias. Dando por verdade que a religião teve as influências das religiões Indígena, Africana, Kardecista e Católica."

Caboclos na umbanda são as entidades mais atuantes, trabalhando na cura e
trabalhos de aconselhamento e encaminhamento de Espíritos

Sincretismos comuns de santos católicos com Orixás, segundo a umbanda:
Alguns exemplos:
Na umbanda tradicional, a exemplo do bate folha, Boiadeiro é comum baixar e
dar suas consultas e trabalhos de limpeza e cura

Bibliografia:
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